Este foi um trabalho feito na minha pós graduação em Ciências da Religião. Ele aborda, dentro das limitações de um trabalho, como se deu o processo de evangelização do negro dentro do sistema colonial brasileiro.
Carlos Maia
Carlos Maia
Introdução
Em
1988, ano do centenário da abolição da escravidão em nosso país, a CNBB
(Comissão Nacional dos Bispos do Brasil) lançou como tema da Campanha da
Fraternidade o tema “Fraternidade e o Negro” com o lema “Ouvi o Clamor deste
povo!” Entretanto até chegar a uma consciência sobre a situação do Negro no
Brasil a Igreja passou por um longo de período conivência com a escravidão
negra. Na Europa eclodiam guerras religiosas entre católicos e protestantes e
ambos acusavam o outro de ser infiel aos desígnios de Deus. Se entre os
próprios europeus havia divergências a respeito da fé, naquele ambiente era
praticamente impossível reconhecer no Outro que professava uma crença
totalmente diferente alguma dignidade. Com essas palavras de forma alguma
pretendo aqui amenizar os crimes, pois aceitar as violências de ontem seria
justificar as de hoje com base na ideia de que “naquele tempo era assim”. A
violência nunca foi aceitável, a não ser na cabeça das classes dominantes.
Não faltaram justificativas
teológicas e ideológicas para a opressão do negro. Este trabalho pretende
mostrar como se deu o processo de evangelização do negro dentro das condições
dentro daquele período histórico. A
religião dele, sua cultura e hábitos precisava ser demonizada, reduzia ao nada.
O padre Mira, que é uma das bases deste trabalho com seu Livro “A Evangelização
do Negro no Período Colonial Brasileiro”, tem palavras valiosas para nós: O
eclodir dos cultos afro-brasileiros até pouco tempo reprimidos sem que possamos
compreender o que se passa. As massas oprimidas se identificam com ele”.
Ao tratar da escravidão é
preciso logo de início romper com um mito, aceito como verdade no inconsciente
popular: A de que o negro africano era raça mais preparada para o trabalho
braçal e, portanto se adaptou facilmente a escravidão. A história da escravidão
negra é também a história de revoltas, fugas, resistência e do medo que os
senhores sempre tiveram da massa de negros.
A começar a palavra escravo que em inglês é slave e em espanhol e
esclavo, vem de Eslavo, pois estes eram dos principais escravos dentro do
império romano. O negro se tornou escravo nas Américas devido às condições
daquele momento e não por um determinismo de qualquer ordem.
Evangelização ou doutrinação?
“Meu filho, foi Deus quem te
deu cor preta
Na dúvida, amor, vem me perguntar, não sofre não
É São Benedito o estafeta do Senhor
É negra a madrinha dessa nação”
Na dúvida, amor, vem me perguntar, não sofre não
É São Benedito o estafeta do Senhor
É negra a madrinha dessa nação”
Cor Preta – Paulo César
Feital
O discurso dos
pioneiros da evangelização do Brasil, infelizmente não teve a mesma
correspondência na realidade. Aquilo que eles queriam nem sempre, ou poucas
vezes foi levado a prática, nem sequer pelos próprios missionários. O
missionário nunca conseguiu entender a alma do colonizado, impunha categorias
que eram europeias dentro de um contexto não europeu e não conseguia obter os
frutos desejados. O discurso evangelizador no Brasil dos tempos coloniais
adquiriu três formas de expressão: A de um discurso universalista, doutrinário
e guerreiro.
1- Discurso
Universalista
Universalista
no sentido de desconhecer fronteiras, e ccaiu como uma luva para o
cristianismo, religião que pretende ser universal (O próprio Cristo disse: “Ide
por todo o mundo e evangelizai.”). Neste contexto surgiu a lenda que o
apóstolo Tomé andou por terras distantes
– Brasil e as crenças indígenas eram “vestígios das pregações apostólicas
desvirtuadas pelos selvagens”. Assim justifica-se a todo custo a presença dos
conquistadores e sua belicosidade.
2- Discurso
Doutrinarista
Aqui é dada muita ênfase a
memorização, a repetição e à fórmulas ensinadas. A adesão do conquistado era
medida em quanto tinha decorado das fórmulas ensinadas. O comprometimento com
Jesus Cristo fica restrito a memorização, que muitas vezes incluía orações em
latim.
3- Discurso
guerreiro
A suposta anormalidade das
culturas indígenas e a rebeldia negra deveriam ser combatidas a ferro e fogo. O
cristianismo que nos seus primórdios denunciava a violência viria a incorporar
a violência em sua mentalidade. Dentro deste contexto, os santos assumem também
um caráter guerreiro. Santo Antônio na mão dos portugueses se torna um santo
militar que em 13 de Setembro de 1685 é convocado a lutar contra os negros em
Palmares.
A justificativa
O Negro escravo deveria se sentir
agradecido ao branco, pois a escravidão era uma forma de redimi-lo espiritual e
fisicamente. A ideia vigente é de que no continente africano estavam nas trevas
da ignorância e o Brasil seria uma espécie de purgatório, onde se purificariam
para chegar aos céus. Não se sabe ao certo quando surgiu a ideia de que os
negros seriam descendentes da raça três vezes maldita de Cam (cf. Gên 9,18-27).
Essa visão serviu para que no Brasil colonial a escravidão não pesasse nas
consciências dos Senhores, pois a própria bíblia justificava a exploração. À
luz de uma exegese séria e isenta, vê-se que a maldição não é de ordem étnica,
racial, mas é dotada de um profundo conteúdo teológico.
Os Sacramentos e o negro
Batismo-
No contexto colonial o batismo quase perde sua função de sinal de adesão livre
de uma pessoa ao projeto de Deus para ser um instrumento de dominação. Desta
forma vemos como o negro foi batizado de forma superficial e compulsória. Vindo
do continente africano, aqui ganhava uma nova identidade e um nome cristão com
o batismo. Mas no fundo, continuava a praticar suas crenças, pois não se apaga
a identidade de um povo, de uma pessoa tão facilmente. A prática batismal foi
imposta ao negro, não sem resistência, como no caso das culturas sudanesas com
forte influência maometana.
Crisma- Em
respeito ao sacramento do Crisma não há nenhum registro de aplicação deste
sacramento aos negros segundo as pesquisas do Padre Mira.
Eucaristia- Este
sacramento foi bastante secundarizado, cedendo lugar ao sacramento do Batismo.
Se tornou um sacramento de “rito de passagem”
para a partir daí entraram na sociedade civil. Foi sem dúvida um
sacramento dificultado.
Confissão- Em
contraste com a quase total ausência do sacramento da confirmação entre os
negros, o sacramento da confissão sempre esteve à disposição dele, embora os
sacerdotes fossem em muitos casos, relapsos em ouvir suas confissões.
Unção dos Enfermos (Extrema-Unção) Nas
pesquisas de Padre Mira também não encontram registros da aplicação deste
sacramento aos negros. O que apareceu nas pesquisas foi o Viático no momento em
que o negro se encontra às portas da morte. No mais, o negro morria sem este
sacramento o que não deixou de causar espanto nas mentes mais esclarecidas do
período colonial.
Ordem- Dentro
do sistema colonial brasileiro era praticamente impossível o negro se tornar
padre. O candidato ao sacerdócio não deveria ter parte de nação hebreia ou
qualquer outra infecta; Ou de negro ou mulato.
Matrimônio - Pouco
importava aos senhores que os seus escravos contraíssem o matrimônio, pelo fato
de que o mesmo cria vínculos indissolúveis, não podendo os escravos serem
separados ao bel-prazer de seus senhores. O cânon orientador para que o escravo
pudesse contrair matrimônio é dado pelas Constituições do Acerbispado da Bahia:
Tal sacramento ao ser recebido pelos negros deveria implicar suas implicações e
sentido.
O Catolicismo Negro
Discriminado,
o negro gradativamente transformará o seu catolicismo em uma forma velada de
protesto social e racial.Este protesto toma forma por meio das confrarias,
manifestações evidentes das divisões sociais. O jesuíta em sua catequese estava
convencido de que as verdades de fé
deveriam ser adaptadas à mentalidade do negro, visto como uma criança, no tocante
ao desenvolvimento intelectual. Para os jesuítas, “tratava de atraí-los pela música
que adoram, pela dança, que é sua única distração, pela vaidade, o amor aos
títulos e cargos decorativos”. Destacam-se as festas de São Benedito, as
congadas, festas de Nossa Senhora do Rosário.
E a religião africana no Brasil?
Naquele contexto de escravidão, a
religiosidade negra tornou-se diferente da de seus antepassados. Os escravos
não vinham todos de um mesmo local e aqui chegaram diversas culturas. Uma forma
de opressão é achar que “todos os africanos são iguais”. A única religião
permitida era a religião “branca” (o catolicismo). Sendo assim a prática da religião era disfarçada
nos cultos católicos, associando os santos da igreja aos orixás. Como dito
acima, a religião africana ganhou contornos diferentes aqui: Não fazia sentido
pedir fecundidade às mulheres para seus filhos serem escravos. Não fazia
sentido pedir boas colheitas, pois beneficiaria os brancos. Era mais urgente
pedir secas, epidemias destruidoras de plantações. Assim eram mais valorizados
as divindades da guerra (Ogum), da justiça (Xangô), da vingança (Exu).
No que diz respeito ao controle social, era
importante que se aflorassem manifestações sincréticas, pois os senhores
perceberam que negar totalmente um único alívio possível para o cativeiro negro
se converteria em pouca saúde, o que equivale
a pouca produtividade.
Conclusão
A mentalidade da colonização em relação
ao negro ainda é muito presente nos dias de hoje como por exemplo na ideia de
“pacificação” das favelas, nas críticas e na demonização feitas a musicalidade
negra jovem (o funk carioca). É muito
difícil entender o que se passa hoje em nosso Rio de Janeiro, em nosso Brasil
se não tivermos em mene como se deu o processo de evangelização do negro no
período colonial. Termino o trabalho citando um trecho da música Contraste
Social do rapper MV Bill:
“Porrada
que a gente levava no tronco agora levamos na rua e pronto
Ficamos
com a boca fechada porque não queremos ir pro inferno
Te
mandam pro saco dentro do buraco esse é o mundo moderno
Tiro
de 12, metralhadora e se acabou a vida de mais um irmão que pelos direitos reclamou
Fique
ligado, nada mudou, veja o que se passou
Chibatada
que a gente levava no tronco não cicatrizou”
MV Bill –Contraste Social
Referências
bibliográficas
MIRA,
João Manoel Lima – “A Evangelização do Negro no Período Colonial Brasileiro”
Edições Loyola 1983
SOUZA,
Laura de Mello – “O Diabo e a Terra de Santa Cruz” Cia das letras, 1998
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