sábado, 26 de fevereiro de 2011

Lobato, Ziraldo e a carnavalização do racismo






Achando oportuna a ocasião, publico aqui a carta da escritora Ana Maria Gonçalves




Carta aberta ao Ziraldo
Caro Ziraldo,
Olho a triste figura de Monteiro Lobato abraçado a uma mulata, estampada nas camisetas do bloco carnavalesco carioca "Que merda é essa?" e vejo que foi obra sua. Fiquei curiosa para saber se você conhece a opinião de Lobato sobre os mestiços brasileiros e, de verdade, queria que não. Eu te respeitava, Ziraldo. Esperava que fosse o seu senso de humor falando mais alto do que a ignorância dos fatos, e por breves momentos até me senti vingada. Vingada contra o racismo do eugenista Monteiro Lobato que, em carta ao amigo Godofredo Rangel, desabafou: "(...)Dizem que a mestiçagem liquefaz essa cristalização racial que é o caráter e dá uns produtos instáveis. Isso no moral – e no físico, que feiúra! Num desfile, à tarde, pela horrível Rua Marechal Floriano, da gente que volta para os subúrbios, que perpassam todas as degenerescências, todas as formas e má-formas humanas – todas, menos a normal. Os negros da África, caçados a tiro e trazidos à força para a escravidão, vingaram-se do português de maneira mais terrível – amulatando-o e liquefazendo-o, dando aquela coisa residual que vem dos subúrbios pela manhã e reflui para os subúrbios à tarde. E vão apinhados como sardinhas e há um desastre por dia, metade não tem braço ou não tem perna, ou falta-lhes um dedo, ou mostram uma terrível cicatriz na cara. “Que foi?” “Desastre na Central.” Como consertar essa gente? Como sermos gente, no concerto dos povos? Que problema terríveis o pobre negro da África nos criou aqui, na sua inconsciente vingança!..." (em "A barca de Gleyre". São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1944. p.133).



Ironia das ironias, Ziraldo, o nome do livro de onde foi tirado o trecho acima é inspirado em um quadro do pintor suíço Charles Gleyre (1808-1874), Ilusões Perdidas. Porque foi isso que aconteceu. Porque lendo uma matéria sobre o bloco e a sua participação, você assim o endosse: "Para acabar com a polêmica, coloquei o Monteiro Lobato sambando com uma mulata. Ele tem um conto sobre uma neguinha que é uma maravilha. Racismo tem ódio. Racismo sem ódio não é racismo. A ideia é acabar com essa brincadeira de achar que a gente é racista". A gente quem, Ziraldo? Para quem você se (auto) justifica? Quem te disse que racismo sem ódio, mesmo aquele com o "humor negro" de unir uma mulata a quem grande ódio teve por ela e pelo que ela representava, não é racismo? Monteiro Lobato, sempre que se referiu a negros e mulatos, foi com ódio, com desprezo, com a certeza absoluta da própria superioridade, fazendo uso do dom que lhe foi dado e pelo qual é admirado e defendido até hoje. Em uma das cartas que iam e vinham na barca de Gleyre (nem todas estão publicadas no livro, pois a seleção foi feita por Lobato, que as censurou, claro) com seu amigo Godofredo Rangel, Lobato confessou que sabia que a escrita "é um processo indireto de fazer eugenia, e os processos indiretos, no Brasil, 'work' muito mais eficientemente".



Lobato estava certo. Certíssimo. Até hoje, muitos dos que o leram não vêem nada de errado em seu processo de chamar negro de burro aqui, de fedorento ali, de macaco acolá, de urubu mais além. Porque os processos indiretos, ou seja, sem ódio, fazendo-se passar por gente boa e amiga das crianças e do Brasil, "work" muito bem. Lobato ficou frustradíssimo quando seu "processo" sem ódio, só na inteligência, não funcionou com os norte-americanos, quando ele tentou em vão encontrar editora que publicasse o que considerava ser sua obra prima em favor da eugenia e da eliminação, via esterilização, de todos os negros. Ele falava do livro O presidente negro ou o choque das raças" que, ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos, país daquele povo que odeia negros, como você diz, Ziraldo, foi publicado no Brasil. Primeiro em capítulos no jornal carioca A Manhã, do qual Lobato era colaborador, e logo em seguida em edição da Editora Companhia Nacional, pertencente a Lobato. Tal livro foi dedicado secretamente ao amigo e médico eugenista Renato Kehl, em meio à vasta e duradoura correspondência trocada pelos dois: “Renato, tu és o pai da eugenia no Brasil e a ti devia eu dedicar meu Choque, grito de guerra pró-eugenia. Vejo que errei não te pondo lá no frontispício, mas perdoai a este estropeado amigo. (...) Precisamos lançar, vulgarizar estas idéias. A humanidade precisa de uma coisa só: póda. É como a vinha".



Impossibilitado de colher os frutos dessa poda nos EUA, Lobato desabafou com Godofredo Rangel: "Meu romance não encontra editor. [...]. Acham-no ofensivo à dignidade americana, visto admitir que depois de tantos séculos de progresso moral possa este povo, coletivamente, cometer a sangue frio o belo crime que sugeri. Errei vindo cá tão verde. Devia ter vindo no tempo em que eles linchavam os negros." Tempos depois, voltou a se animar: "Um escândalo literário equivale no mínimo a 2.000.000 dólares para o autor (...) Esse ovo de escândalo foi recusado por cinco editores conservadores e amigos de obras bem comportadas, mas acaba de encher de entusiasmo um editor judeu que quer que eu o refaça e ponha mais matéria de exasperação. Penso como ele e estou com idéias de enxertar um capítulo no qual conte a guerra donde resultou a conquista pelos Estados Unidos do México e toda essa infecção spanish da América Central. O meu judeu acha que com isso até uma proibição policial obteremos - o que vale um milhão de dólares. Um livro proibido aqui sai na Inglaterra e entra boothegued como o whisky e outras implicâncias dos puritanos". Lobato percebeu, Ziraldo, que talvez devesse apenas exasperar-se mais, ser mais claro em suas ideias, explicar melhor seu ódio e seu racismo, não importando a quem atingiria e nem por quanto tempo perduraria, e nem o quão fundo se instalaria na sociedade brasileira. Importava o dinheiro, não a exasperação dos ofendidos. 2.000.000 de dólares, ele pensava, por um ovo de escândalo. Como também foi por dinheiro que o Jeca Tatu, reabilitado, estampou as propagandas do Biotônico Fontoura.



Você sabe que isso dá dinheiro, Ziraldo, mesmo que o investimento tenha sido a longo prazo, como ironiza Ivan Lessa: "Ziraldo, o guerrilheiro do traço, está de parabéns. Finalmente o governo brasileiro tomou vergonha na cara e acabou de pagar o que devia pelo passe de Jeremias, o Bom, imortal personagem criado por aquele que também é conhecido como “o Lamarca do nanquim”. Depois do imenso sucesso do calunguinha nas páginas de diversas publicações, assim como também na venda de diversos produtos farmacêuticos, principalmente doenças da tireóide, nos idos de 70, Ziraldo, cognominado ainda nos meios esclarecidos como “o subversivo da caneta Pilot”, houve por bem (como Brutus, Ziraldo é um homem de bem; são todos uns homens de bem – e de bens também) vender a imagem de Jeremias para a loteca, ou seja, para a Caixa Econômica Federal (federal como em República Federativa do Brasil) durante o governo Médici ou Geisel (os déspotas esclarecidos em muito se assemelham, sendo por isso mesmo intercambiáveis)".



No tempo em que linchavam negros, disse Lobato, como se o linchamento ainda não fosse desse nosso tempo. Lincham-se negros nas ruas, nas portas dos shoppings e bancos, nas escolas de todos os níveis de ensino, inclusive o superior. O que é até irônico, porque Lobato nunca poderia imaginar que chegariam lá. Lincham-se negros, sem violência física, é claro, sem ódio, nos livros, nos artigos de jornais e revistas, nos cartoons e nas redes sociais, há muitos e muitos carnavais. Racismo não nasce do ódio ou amor, Ziraldo, sendo talvez a causa e não a consequência da presença daquele ou da ausência desse. Racismo nasce da relação de poder. De poder ter influência ou gerência sobre as vidas de quem é considerado inferior. "Em que estado voltaremos, Rangel," se pergunta Lobato, ao se lembrar do quadro para justificar a escolha do nome do livro de cartas trocadas, "desta nossa aventura de arte pelos mares da vida em fora? Como o velho de Gleyre? Cansados, rotos? As ilusões daquele homem eram as velas da barca – e não ficou nenhuma. Nossos dois barquinhos estão hoje cheios de velas novas e arrogantes, atadas ao mastro da nossa petulância. São as nossas ilusões". Ah, Ziraldo, quanta ilusão (ou seria petulância? arrogância; talvez? sensação de poder?) achar que impor à mulata a presença de Lobato nessa festa tipicamente negra, vá acabar com a polêmica e todos poderemos soltar as ancas e cada um que sambe como sabe e pode. Sem censura. Ou com censura, como querem os quemerdenses. Mesmo que nesse do Caçadas de Pedrinho a palavra censura não corresponda à verdade, servindo como mero pretexto para manifestação de discordância política, sem se importar com a carnavalização de um tema tão dolorido e tão caro a milhares de brasileiros. E o que torna tudo ainda mais apelativo é que o bloco aponta censura onde não existe e se submete, calado, ao pedido da prefeitura para que não use o próprio nome no desfile. Não foi assim? Você não teve que escrever "M*" porque a palavra "merda" foi censurada? Como é que se explica isso, Ziraldo? Mente-se e cala-se quando convém? Coerência é uma questão de caráter.



O que o MEC solicita não é censura. É respeito aos Direitos Humanos. Ao direito de uma criança negra em uma sala de aula do ensino básico e público, não se ver representada (sim, porque os processos indiretos, como Lobato nos ensinou, "work" muito mais eficientemente) em personagens chamados de macacos, fedidos, burros, feios e outras indiretas mais. Você conhece os direitos humanos, inclusive foi o artista escolhido para ilustrar a Cartilha de Direitos Humanos encomendada pela Presidência da República, pelas secretarias Especial de Direitos Humanos e de Promoção dos Direitos Humanos, pela ONU, a UNESCO, pelo MEC e por vários outros órgãos. Muitos dos quais você agora desrespeita ao querer, com a sua ilustração, acabar de vez com a polêmica causada por gente que estudou e trabalhou com seriedade as questões de educação e desigualdade racial no Brasil. A adoção do Caçadas de Pedrinho vai contra a lei de Igualdade Racial e o Estatuto da Criança e do Adolescente, que você conhece e ilustrou tão bem. Na página 25 da sua Cartilha de Direitos Humanos, está escrito: "O único jeito de uma sociedade melhorar é caprichar nas suas crianças. Por isso, crianças e adolescentes têm prioridade em tudo que a sociedade faz para garantir os direitos humanos. Devem ser colocados a salvo de tudo que é violência e abuso. É como se os direitos humanos formassem um ninho para as crianças crescerem." Está lá, Ziraldo, leia de novo: "crianças e adolescentes têm prioridade". Em tudo. Principalmente em situações nas quais são desrespeitadas, como na leitura de um livro com passagens racistas, escrito por um escritor racista com finalidades racistas. Mas você não vê racismo e chama de patrulhamento do politicamente correto e censura. Você está pensando nas crianças, Ziraldo? Ou com medo de que, se a moda pega, a "censura" chegue ao seu direito de continuar brincando com o assunto? "Acho injusto fazer isso com uma figura da grandeza de Lobato", você disse em uma reportagem. E com as crianças, o público-alvo que você divide com Lobato, você acha justo? Sim, vocês dividem o mesmo público e, inclusive, alguns personagens, como uma boneca e pano e o Saci, da sua Turma do Pererê. Medo de censura, Ziraldo, talvez aos deslizes, chamemos assim, que podem ser cometidos apenas porque se acostuma a eles, a ponto de pensar que não são, de novo chamemos assim, deslizes.



A gente se acostuma, Ziraldo. Como o seu menino marrom se acostumou com as sandálias de dedo: "O menino marrom estava tão acostumado com aquelas sandálias que era capaz de jogar futebol com elas, apostar corridas, saltar obstáculos sem que as sandálias desgrudassem de seus pés. Vai ver, elas já faziam parte dele" (ZIRALDO, 1986,p. 06, em O Menino Marrom). O menino marrom, embora seja a figura simpática e esperta e bonita que você descreve, estava acostumado e fadado a ser pé-de-chinelo, em comparação ao seu amigo menino cor-de-rosa, porque "(...) um já está quase formado e o outro não estuda mais (...). Um já conseguiu um emprego, o outro foi despedido do quinto que conseguiu. Um passa seus dias lendo (...), um não lê coisa alguma, deixa tudo pra depois (...). Um pode ser diplomata ou chofer de caminhão. O outro vai ser poeta ou viver na contramão (...). Um adora um som moderno e o outro – Como é que pode? – se amarra é num pagode. (...) Um é um cara ótimo e o outro, sem qualquer duvida, é um sujeito muito bom. Um já não é mais rosado e o outro está mais marrom" (ZIRALDO, 1986, p.31). O menino marrom, ao crescer, talvez virasse marginal, fado de muito negro, como você nos mostra aqui: "(...) o menino cor-de-rosa resolveu perguntar: por que você vem todo o dia ver a velhinha atravessar a rua? E o menino marrom respondeu: Eu quero ver ela ser atropelada" (ZIRALDO, 1986, p.24), porque a própria professora tinha ensinado para ele a diferença e a (não) mistura das cores. Então ele pensou que "Ficar sozinho, às vezes, é bom: você começa a refletir, a pensar muito e consegue descobrir coisas lindas. Nessa de saber de cor e de luz (...) o menino marrom começou a entender porque é que o branco dava uma idéia de paz, de pureza e de alegria. E porque razão o preto simbolizava a angústia, a solidão, a tristeza. Ele pensava: o preto é a escuridão, o olho fechado; você não vê nada. O branco é o olho aberto, é a luz!" (ZIRALDO, 1986, p.29), e que deveria se conformar com isso e não se revoltar, não ter ódio nenhum ao ser ensinado que, daquela beleza, pureza e alegria que havia na cor branca, ele não tinha nada. O seu texto nos ensina que é assim, sem ódio, que se doma e se educa para que cada um saiba o seu lugar, com docilidade e resignação: "Meu querido amigo: Eu andava muito triste ultimamente, pois estava sentindo muito sua falta. Agora estou mais contente porque acabo de descobrir uma coisa importante: preto é, apenas, a ausência do branco" (ZIRALDO, 1986, p.30).



Olha que interessante, Ziraldo: nós que sabemos do racismo confesso de Lobato e conseguimos vê-lo em sua obra, somos acusados por você de "macaquear" (olha o termo aí) os Estados Unidos, vendo racismo em tudo. "Macaqueando" um pouco mais, será que eu poderia também acusá-lo de estar "macaqueando" Lobato, em trechos como os citados acima? Sem saber, é claro, mas como fruto da introjeção de um "processo" que ele provou que "work" com grande eficiência e ao qual podemos estar todos sujeitos, depois de sermos submetidos a ele na infância e crescermos em uma sociedade na qual não é combatido. Afinal, há quem diga que não somos racistas. Que quem vê o racismo, na maioria os negros, que o sofrem, estão apenas "macaqueando". Deveriam ficar calados e deixar dessa bobagem. Deveriam se inspirar no menino marrom e se resignarem. Como não fazem muitos meninos e meninas pretos e marrons, aqueles que são a ausência do branco, que se chateiam, que se ofendem, que sofrem preconceito nas ruas e nas escolas e ficam doídos, pensando nisso o tempo inteiro, pensando tanto nisso que perdem a vontade de ir à escola, começam a tirar notas baixas porque ficam matutando, ressentindo, a atenção guardadinha lá debaixo da dor. E como chegam à conclusão de que aquilo não vai mudar, que não vão dar em nada mesmo, que serão sempre pés-de-chinelo, saem por aí especializando-se na arte de esperar pelo atropelamento de velhinhas.



Racismo é um dos principais fatores responsáveis pela limitada participação do negro no sistema escolar, Ziraldo, porque desvia o foco, porque baixa a auto-estima, porque desvia o foco das atividades, porque a criança fica o tempo todo tendo que pensar em como não sofrer mais humilhações, e o material didático, em muitos casos, não facilita nada a vida delas. E quando alguma dessas crianças encontra um jeito de fugir a esse destino, mesmo que não tenha sido através da educação, fica insuportável e merece o linchamento público e exemplar, como o sofrido por Wilson Simonal. Como exemplo, temos a sua opinião sobre ele: "Era tolo, se achava o rei da cocada preta, coitado. E era mesmo. Era metido, insuportável". Sabe, Ziraldo, é por causa da perpetuação de estereótipos como esses que às vezes a gente nem percebe que eles estão ali, reproduzidos a partir de preconceitos adquiridos na infância, que a SEPPIR pediu que o MEC reavaliasse a adoção de Caçadas de Pedrinho. Não a censura, mas a reavaliação. Uma nota, talvez, para ser colocada junto com as outras notas que já estão lá para proteger os direitos das onças de não serem caçadas e o da ortografia, de evoluir. Já estão lá no livro essas duas notas e a SEPPIR pede mais uma apenas, para que as crianças e os adolescentes sejam "colocados a salvo de tudo que é violência e abuso", como está na cartilha que você ilustrou. Isso é um direito delas, como seres humanos. É por isso que tem gente lutando, como você também já lutou por direitos humanos e por reparação. É isso que a SEPPIR pede: reparação pelos danos causados pela escravidão e pelo racismo.



Assim você se defendeu de quem o atacou na época em que conseguiu fazer valer os seus direitos: "(…) Espero apenas que os leitores (que o criticam) não tenham sua casa invadida e, diante de seus filhos, sejam seqüestrados por componentes do exército brasileiro pelo fato de exercerem o direito de emitir sua corajosa opinião a meu respeito, eu, uma figura tão poderosa”. Ziraldo, você tem noção do que aconteceu com os, citando Lobato, "negros da África, caçados a tiro e trazidos à força para a escravidão", e do que acontece todos os dias com seus descendentes em um país que naturalizou e, paradoxalmente, nega o seu racismo? De quantos já morreram e ainda morrem todos os dias porque tem gente que não os leva a sério? Por causa do racismo é bem difícil que essa gente fadada a ser pé-de-chinelo a vida inteira, essas pessoas dos subúrbios, que perpassam todas as degenerescências, todas as formas e má-formas humanas – todas, menos a normal, - porque nelas está a ausência do branco, esse povo todo representado pela mulata dócil que você faz sorrir nos braços de um dos escritores mais racistas e perversos e interesseiros que o Brasil já teve, aquele que soube como ninguém que um país (racista) também de faz de homens e livros (racistas), por causa disso tudo, Ziraldo, é que eu ia dizendo ser quase impossível para essa gente marrom, herdeira dessa gente de cor que simboliza a angústia, a solidão, a tristeza, gerar pessoas tão importantes quanto você, dignas da reparação (que nem é financeira, no caso) que o Brasil também lhes deve: respeito. Respeito que precisou ser ancorado em lei para que tivesse validade, e cuja aplicação você chama de censura.



Junto com outros grandes nomes da literatura infantil brasileira, como Ana Maria Machado e Ruth Rocha, você assinou uma carta que, em defesa de Lobato e contra a censura inventada pela imprensa, diz: "Suas criações têm formado, ao longo dos anos, gerações e gerações dos melhores escritores deste país que, a partir da leitura de suas obras, viram despertar sua vocação e sentiram-se destinados, cada um a seu modo, a repetir seu destino. (...) A maravilhosa obra de Monteiro Lobato faz parte do patrimônio cultural de todos nós – crianças, adultos, alunos, professores – brasileiros de todos os credos e raças. Nenhum de nós, nem os mais vividos, têm conhecimento de que os livros de Lobato nos tenham tornado pessoas desagregadas, intolerantes ou racistas. Pelo contrário: com ele aprendemos a amar imensamente este país e a alimentar esperança em seu futuro. Ela inaugura, nos albores do século passado, nossa confiança nos destinos do Brasil e é um dos pilares das nossas melhores conquistas culturais e sociais." É isso. Nos livros de Lobato está o racismo do racista, que ninguém vê, que vocês acham que não é problema, que é alicerce, que é necessário à formação das nossas futuras gerações, do nosso futuro. E é exatamente isso. Alicerce de uma sociedade que traz o racismo tão arraigado em sua formação que não consegue manter a necessária distância do foco, a necessário distância para enxergá-lo. Perpetuar isso parece ser patriótico, esse racismo que "faz parte do patrimônio cultural de todos nós – crianças, adultos, alunos, professores – brasileiros de todos os credos e raças." Sabe o que Lobato disse em carta ao seu amigo Poti, nos albores do século passado, em 1905? Ele chamava de patriota o brasileiro que se casasse com uma italiana ou alemã, para apurar esse povo, para acabar com essa raça degenerada que você, em sua ilustração, lhe entrega de braços abertos e sorridente. Perpetuar isso parece alimentar posições de pessoas que, mesmo não sendo ou mesmo não se achando racistas, não se percebem cometendo a atitude racista que você ilustrou tão bem: entregar essas crianças negras nos braços de quem nem queria que elas nascessem. Cada um a seu modo, a repetir seu destino. Quem é poderoso, que cobre, muito bem cobrado, seus direitos; quem não é, que sorria, entre na roda e aprenda a sambar.



Peguei-o para bode expiatório, Ziraldo? Sim, sempre tem que ter algum. E, sem ódio, espero que você não queira que eu morra por te criticar. Como faziam os racistas nos tempos em quem ainda linchavam negros. Esses abusados que não mais se calam e apelam para a lei ao serem chamados de "macaco", "carvão", "fedorento", "ladrão", "vagabundo", "coisa", "burro", e que agora querem ser tratados como gente, no concerto dos povos. Esses que, ao denunciarem e quererem se livrar do que lhes dói, tantos problemas criam aqui, nesse país do futuro. Em uma matéria do Correio Braziliense você disse que "Os americanos odeiam os negros, mas aqui nunca houve uma organização como a Ku Klux Klan. No Brasil, onde branco rico entra, preto rico também entra. Pelé nunca foi alvo de uma manifestação de ódio racial. O racismo brasileiro é de outra natureza. Nós somos afetuosos”. Se dependesse de Monteiro Lobato, o Brasil teria tido sua Ku-Klux-Klan, Ziraldo. Leia só o que ele disse em carta ao amigo Arthur Neiva, enviada de Nova Iorque em 1928, querendo macaquear os brancos norte-americanos: "Diversos amigos me dizem: Por que não escreve suas impressões? E eu respondo: Porque é inútil e seria cair no ridículo. Escrever é aparecer no tablado de um circo muito mambembe, chamado imprensa, e exibir-se diante de uma assistência de moleques feeble-minded e despidos da menos noção de seriedade. Mulatada, em suma. País de mestiços onde o branco não tem força para organizar uma Kux-Klan é país perdido para altos destinos. André Siegfred resume numa frase as duas atitudes. "Nós defendemos o front da raça branca - diz o sul - e é graças a nós que os Estados Unidos não se tornaram um segundo Brasil". Um dia se fará justiça ao Kux-Klan; tivéssemos aí uma defesa dessa ordem, que mantém o negro no seu lugar, e estaríamos hoje livres da peste da imprensa carioca - mulatinho fazendo o jogo do galego, e sempre demolidor porque a mestiçagem do negro destroem (sic) a capacidade construtiva." Fosse feita a vontade de Lobato, Ziraldo, talvez não tivéssemos a imprensa carioca, talvez não tivéssemos você. Mas temos, porque, como você também diz, "o racismo brasileiro é de outra natureza. Nós somos afetuosos." Como, para acabar com a polêmica, você nos ilustra com o desenho para o bloco quemerdense. Olho para o rosto sorridente da mulata nos braços de Monteiro Lobato e quase posso ouvi-la dizer: "Só dói quando eu rio".



Com pesar, e em retribuição ao seu afeto,



Ana Maria Gonçalves

Negra, escritora, autora de Um defeito de cor.





terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Como anda a sua casa???

              "Ladrões, safados, corruptos!!!" É assim que costumamos nos referir à nossa classe política. O detalhe é que nos esquecemos que nós somos os responsáveis pela cara que tem o nosso congresso, senado e câmaras. E além disso, não costumamos acompanhar a vida pública daqueles que elegemos!!! Hoje com tanto acesso aos meios de comunicação, interenet com suas redes sociais, sites e blogs não dá mais para arrumar desculpas. Aí vai o site da Câmara Municipal do da cidade Rio de Janeiro: http://www.camara.rj.gov.br/index.php? É lá que atuam em seu nome e no meu os nossos veradores que são(ou deveriam ser) os políticos mais próximos.




A  Nossa Assembléia legislativa: http://www.alerj.rj.gov.br/
O Senado Federal http://www.senado.gov.br/
Câmara Federal:
  http://www2.camara.gov.br/   
                   

Fiscalize, participe. Afinal de contas a casa é sua, paga com seu dinheiro. Não deixe que os outros decidam por você.                                                                                                                                      

Vozes de Moçambique

O documentário Vozes de Moçambique - Um paralelo com o Brasil passeia pela literatura moçambicana, mostrando alguns de seus maiores expoentes além de fazer, passando por momentos importantes da história desse jovem país africano. O filme da estudante de cinema Yana Campos faz ainda um paralelo com o Brasil no plano cultural, social e político. 


                                                                A diretora Yana Campos

Sua pré - estréia no cineclube Atlântico Negro no Tempo Glauber em Janeiro último foi um sucesso, com três exibições seguidas. Pela fila acima temos uma idéia de como foi a recepção do público.                  

Clementino Jr, fundador e coordenador do Atlântico Negro
                                                                      




Para maiores informações sobre o curta acesse http://www.facebook.com/?ref=home#!/profile.php?id=100002016245947  


                    
                                               
Carlos Maia, Yana Campos e Clementino Junior

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Enquanto não posso comprar, só posso postar

                             Paixão não se explica. Uns colecionam  selos, outros moedas. E há aqueles que colecionam action figures (como são chamados esses bonequinhos aí). Ainda no segundo grau (acho que o nome nem é mais esse, rsrs) descobri que action figures era coisa de gente grande e movimenta muita grana. Colecionadores pagam quantias inimagináveis para ter um Wolverine ou Homem - Aranha Exclusivo. Aqui vão alguns exemplares de Action Figures baseados em quadrinhos, adaptações para cinema e também alguns que marcaram minha infância.        

                                                             
                                                             Série Dragon Ball Z                                                        

                                                                Da série Marvel Zumbis


                                                       Esse eu tive pelos idos de 1989...


                                                        Spawn, herói popular nos anos 1990



                                                   Coringa de O Cavaleiro dasTrevas                                                                                                            


                                                            Até o Michael Jackson

                                                                      T - 1000


                                                                         Dhalsim

                                  O Coringa do Jack  Nicholson do Batman de 1989                                                   

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Reality show virtual

       Recebi esse texto via e-mail e resolvi postá-lo aqui. É o tipo de coisa que merece ser lida




          Professor de Informática da USP Marco André Vizzortti fala sobre o Orkut

O ORKUT apareceu como uma forma de contatar amigos, saber notícias de quem está distante e mandar recados.
Hoje está sendo utilizado com o propósito de, creio ser o seu maior trunfo, obter informações sobre uma classe privilegiada da população brasileira.

Por que será que só no Brasil teve a repercussão que teve?

Outras culturas hesitam em participar sua vida e dados de intimidade, de forma tão irresponsável e leviana..

Por acaso você já recebeu um telefonema que informava que seus filhos estavam sendo seqüestrados?

Sua mãe idosa já foi seguida por uma quadrilha de malandros ?

Já te abordaram num barzinho, dizendo que te conheciam faz tempo?

Já foi a festas armadas para reencontrar os amigos de 30 anos atrás e não viu ninguém?

Pois é.. Ta tudo lá.
No ORKUT.

Com cinco minutos de navegação
eu sei que quantos filhos você tem, ou se não tem,
se tem namorado/a ,
sei que estuda no colégio tal, ou que trabalha em tal lugar,
sei que freqüenta tais cinemas, tais bares, tais festas ....
sei nome de familiares, sei nome de amigos;
sei sei sei !E o melhor de tudo, com uma foto na mão!
Identifico seu rosto em meio a multidões, na porta do seu trabalho, no meio da rua.
Afinal, já sei onde você está.
É só ler os seus recadinhos.

Faço um pedido:

Quem quiser se expor assim, faça-o de forma consciente e depois não lamente, nem se desespere, caso seja vítima de uma armação.
Mas poupe seus filhos, poupe sua vida Íntima.

O bandido te ligou pra te extorquir dinheiro também porque você deixou..
A foto dos meninos estava lá.. Teu local de trabalho tava lá.
A foto do hotel 5 estrelas na praia tava lá.
A foto da moto que está na garagem estava lá. 
                                                                                                           
Realmente somos um povo muito inocente e deslumbrado.

Por enquanto, temos ouvido falar de ameaças a crianças e idosos.
Até que um dia a ameaça será fato real. Tarde demais.
Se você me entendeu, ótimo!

Reveja sua participação no ORKUT, ou ao menos suprima as fotos e imagens de seus filhos menores e parentes que não merecem passar por situações de risco que você os coloca.
Oriente seus filhos a esse respeito ,pois colocam dados deles e da família sem pensar em consequências,fazem isso pelo desejo de participar, mas não sabem ou não pensam no perigo de se dar dados pessoais e da família para que qalquer pessoa veja.

Se acha que não tenho razão, deve se achar invulnerável.

Informo que pessoas muito próximas a mim e queridas já passaram por dramas gratuitos, sem perceber que tinham sido vítimas da própria imprudência.

A falta de malícia para a vida nos induz a correr riscos desnecessários..
Não só de Orkut vive a maioria dos internautas.                                             

Temos uma infinidade de portas abertas e que por um descuido colocamos uma informação que pode nos prejudicar.

Disponibilizar informações a nosso respeito pode se tornar perigoso ou desagradável.
Portanto, cuidado ao colocar certas informações na Internet.
Não conhecemos a pessoa ou as pessoas que estão do outro lado da rede.
O papo pode ser muito bom, legal.
PS:
Passe a todos que você conhece e que utiliza o Orkut, 1Grau, Gazzag, NetQI, Blogs, Flogs, etc...... para que todos tenhamos consciência sobre o assunto e possamos colaborar com a diminuição do crime.

Um abraço,
Marco André Vizzortti Professor de Informática da USP
(Universidade de São Paulo)
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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Lembrar é resistir*

        Revirando o baú encontrei um texto que fiz para a época da faculdade a respeito do golpe militar de 1964. O texto é simples, mas sempre oportuno, pois principalmenbte para os mais pobres as arbitrariedades da ditadura não cessaram.

* O título da postagem foi retirada do espetáculo Lembrar é resistir, encenado em 2001 com direção de Nelson Xavier



                          O Golpe Militar de 1964

 
Os precedentes:
As Reformas de Base
                    O presidente João Goulart acreditava que o Brasil precisava de reformas de base. O problema é que elas mexiam com os privilégios de muita gente poderosa no Brasil. Esses poderosos viram no golpe militar a barreira que manteria sua confortável posição. . Essas reformas de base incluíam reforma agrária, reforma urbana, que controlaria o preço dos aluguéis dos imóveis e ajudaria os inquilinos a comprar a casa própria. As reformas também eram políticas: direito de voto para analfabetos e de sargentos e patentes inferiores nas forças armadas. Essas reformas eram uma proposta para outro tipo de desenvolvimento para o Brasil. Mas mexiam com muitos grupos poderosos. Grupos que para manter seus privilégios recorreriam a mão armada do golpe militar.
    
    

A reação da direita
                   As lutas de classe chegaram ao ponto mais agudo. Valia tudo até calúnias de baixo nível. Madames subiam o morro e diziam que “com Jango, em breve o comunismo vai mandar no Brasil. O Estado vai tomar tudo dos pobres, inclusive os filhos que serão enviados para Moscou e nunca mais voltarão”. Panfletos diziam que Jango baixaria um decreto ordenando que os moradores dividissem seus apartamentos com os favelados. 

                 Jango apresentou sua última cartada: “As reformas de base passariam por bem ou por mal”, como se dizia. Em treze de Março de 1964, apesar do feriado decretado pelo governador do Rio Carlos Lacerda, milhares de pessoas compareceram ao célebre Comício da Central do Brasil. Ali Jango anunciou que estava enviando ao congresso as primeiras reformas de base: expropriação de latifúndios improdutivos, nacionalização de refinarias de petróleo.
                       No dia 31 de Março de 1964, o general Olímpio Mourão Filho precipitou o golpe. Antes mesmo de renunciar, o senador Auro de Moura Andrade já anunciava o novo presidente: Ranieri Mazzilli, da câmara dos deputados. O novo governo passou a governar por decretos, o chamado AI (Ato inconstitucional). Em 15 de Abril de 1964 era anunciado o general-presidente que nos governaria nos próximos anos: Castello Branco.


Os militares
                Por que os militares deram o golpe? Para começar, por causa da própria formação deles. Nas academias, tinha aprendido que as greves, os protestos sociais e as manifestações populares eram uma “baderna” intolerável. Para eles, o que faltava ao Brasil era ordem e disciplina. Felizmente o general e o almirante não ficam desempregados nem recebem o salário de um peão. Infelizmente essa boa condição dificulta compreender que a luta do povo por uma vida mais digna não é baderna.            Para muitos militares e civis, o país só teria um governo honesto quando estivesse nas mãos dos generais.Um engano, pois nas ditaduras é que a corrupção é maior, pois a população não pode fiscalizar nada. Nas escolas militares havia uma forte doutrinação anticomunista. Qualquer greve era vista como “infiltração comunista no Brasil”. A idéia que orientou o regime implantado em 1964 era de que a política democrática é inimiga da disciplina social e do progresso e é um poderoso agente de irracionalidade política.




O mito do calor da hora
              Existiu uma identidade, uma relação e um conflito entre o regime instalado em 1964 e a manifestação mais crua da essência repressiva que o Estado assumiu na sua obsessão desmobilizadora da sociedade: a tortura.

               Durante os 21 anos de duração da ditadura militar, sucederam-se períodos de maior ou menor racionalidade no trato das questões políticas. Foram duas décadas de avanços e recuos, ou como se dizia “aberturas e endurecimentos”. De 1964 a 1967 Castello Branco procurou exercer uma ditadura temporária. De 1967 a 1968 o marechal Costa e Silva procurou governar dentro de um sistema constitucional (em 1968 deu-se a criação do AI-5). De 1968 a 1974 o país esteve sobre um regime escancaradamente ditatorial. De 1974 a 1979 debaixo da mesma ditadura, dela começou a sair.
                  


                       Em todas essas ocasiões o melhor termômetro da situação do país foi a medida da prática da tortura pelo Estado. Vinte anos depois rememorando esses fatos, o mestre intelectual do golpe militar, o general Golbery do Couto e Silva disse: Nos meses seguintes a revolução houve excessos. Eu achava que tudo não passava de acontecimentos produzidos no calor da hora, como por exemplo, o que fizeram com o Gregório Bezerra. Você não se faz um omelete sem quebrar os ovos. Esses casos me pareciam toleráveis pois haveriam de controlados no futuro.”
           A verdade é que a tortura passou a ser praticada como forma de interrogatório em diversas guarnições militares.
  
            Em outubro de 1969, já sob a vigência do AI-5, oficiais do Exército brasileiro escreveram uma triste página na história da corporação. Dez presos políticos foram usados como cobaias numa aula inaugural de tortura na Vila Militar, no Rio. Com a ajuda de Slides, o tenente Ailton mostrou diversos desenhos de diversas modalidades de tortura. O suplício passava por choque elétrico, palmatória nos pés e nas mãos, pau de arara, esmagamento de dedos por barra de metal, ficar de pé sobre as bordas de duas latas abertas. O tenente recitava anotações numéricas e lembrava que o objetivo da tortura não era matar o preso, mas obter informações. A prática da tortura foi incorporada às forças armadas.  


Arte e cultura
                 Por uma fatalidade histórica, começou em 1964 no Brasil um período de supressão das liberdades públicas, precisamente quando o mundo vivia um dos períodos mais divertidos e criativos da história da humanidade.  Os anos 1960 formaram a grande década revolucionária. Os anos da minissaia, dos homens de cabelo comprido, da pílula anticoncepcional; da guerra do Vietnã, dos hippies, do feminismo; da revolução cultural na China, da Primavera de Praga, dos Beatles, dos Rolling Stones, de Jimi Hendrix e Janis Joplin, do LSD, do psicodelismo, das viagens a lua, do cinema de Godard, Pasolini e Antonioni; das idéias e dos livros de Sartre, Marcuse, Altusser, Heram Hesse, Erich Fromm e Wilhein Reich; do amor livre, de Bob Dylan, Jim Morrison; de paz e amor e Wodstock. De 1964 a 1968 a cultura brasileira viu o surgimento de novos valores que direta ou indiretamente anunciavam uma certa contestação ao que acontecia no país e no mundo. A censura ainda aceitava algumas brechas (a situação piorou depois de 1968). O teatro era claramente de protesto, buscando conscientizar o público através de choques culturais (quebra de tabus, romper com as normas sociais, agredir a moral pequeno-burguesa) usando atores e atrizes nus, palavrões, cenários caóticos, falas e gestos agressivos ou com sentido vago e uma temática politizada. Os festivais da canção na TV (a globo ainda não era dominante) revelaram ou consagraram compositores como Chico Buarque, Caetano Velloso, Edu Lobo, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Geraldo Vandré, Tom Jobim, Vinicius de Morais e toquinho. Cantoras como Nara Leão, Elis Regina e Maria Bethânia.
Quando o Marechal Castelo Branco entrou no palácio do Planalto levou para o governo um mundo onde igualdade racial era uma aspiração filosófica, o homossexualismo uma anomalia, e a condição feminina um bálsamo procriador, amoroso e doméstico. Os generais não sabiam, mas existia toda uma geração de jovens formados fora da ditadura do Estado Novo. Toda essa agitação cultural coexistiu com o dirigismo conservador e anticomunista.

O desprezo pelo povo
                Um dos traços mais marcantes da ditadura militar foi o desdém pela população mais simples. No período do “milagre econômico”, o general-presidente Médici chegou a dizer: “A economia vai bem, o povo é que vai mal”. Uma coisa a toa sem importância chamada povo.  O ministro Delfim Netto dizia que era para o povo ter paciência, esperar o bolo crescer para depois dividir os pedaços. Até hoje o povo espera sua fatia. O general presidente João Batista Figueiredo chegou a dizer: “Prefiro o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo”. A ditadura conseguiu uma coisa incrível: quanto mais o país crescia, mais difícil ficava a vida dos trabalhadores. De repente houve uma epidemia de meningite. O que fez a ditadura? Proibiu que os jornais divulgassem qualquer notícia a respeito. O que veio em seguida era previsível: os pais, sem saber do surto da doença, não davam importância aquela febrezinha do filho. Não levavam para o posto de saúde, até que a criança morria. A meningite mataria milhares de crianças numa das maiores epidemias do século. Isso mostra o quanto a ditadura era absurda.
  
O legado da ditadura militar
                O principal legado da ditadura é o do predomínio de um economicismo difuso e de uma desvalorização generalizada das políticas e instituições. Uma sociedade em duas décadas submetida a combinação entre modernização econômicavertiginosa, deslocamentos espaciais, predação ambiental, dilaceração de identidades sociais, urbanização forçada e desconsideração completa dos custos humanos e sociais na busca dos chamados “interesses nacionais”. Tratava-se do predomínio puro da esfera econômica sobre a vida social, sustentada a base de autoritarismo e truculência.  A política foi posta a serviço dessa razão de estado obcecada pela modernização econômica, sem que a sociedade tivesse a sua disposição quaisquer mecanismos de proteção, de expressão ou representação política. Os meios para tal, foram eliminados em 1964. O país viveu anos de uma perversa combinação: crescimento a qualquer custo com ausência de democracia política.

 Fontes: Nova História Crítica do Brasil, Mario Shimidt Ed. Nova Geração
             O Globo 2000 (Suplemento do jornal O Globo)      




Estação Realengo continua em exibição no Canal Comunitário

                  Meu documentário, Estação Realengo, continua em exibição no Canal Comunitário (canal 6 da NET Rio) em diferentes horários. É preciso ficar atento, pois os horários mudam constantemente. Na grade da emissora desde Fevereiro de 2009, o documentário mostra o bairro Realengo, Zona Oeste do Rio com um olhar diferente dos estereótipos mostrados na grande midia. Assista abaixo o trecho que foi ao ar na TV Brasil em 2009


Com um pouco de atraso - Lembrando um mestre


Padre Mira
                      Para minha surpresa, acabo de descobrir que morreu no último dia 11 de Janeiro, o Padre João Manuel Lima Mira, mais conhecido como Padre Mira. O motivo dessas linhas é que há áproximadamente oito anos atrás chegou em minhas mãos um livro de sua autoria que foi extremamente importante no meu desenvolvimento enquanto cidadão: "Evangelização do Negro no Período Colonial Brasileiro”, um verdadeiro tratado sobre o modo como o negro viveu duarante todo o período da escravidão no Brasil incluindo suas lutas e modos de resistência. Pretendia contacta-lo para dar um depoimento num futuro trabalho. Veio ao mundo no mesmo ano em que nasceu meu pai, 1948 e descobri também sua paixão pelas artes marciais e cultura oriental: foi o primeiro estrangeiro, depois de 1400 anos, a ser acolhido, no Japão, no grupo xintoísta Yamabushi. . Padre Mira ingressou no Noviciado, em 1968 emPareci Novo. O livro acima citado é de 1983 (eu tinha 2 anos). Fica aqui registrada a lembrança desse mestre. 
                                   




Aos mestres com carinho

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